sexta-feira, 24 de julho de 2020

"Conselhos a meus Filhos" - Poema de Bárbara Heliodora (1759-1819)


Émile Friant (1863 - 1932), The Frugal Meal, 1894


Conselhos a meus Filhos


 
Meninos, eu vou ditar
As regras do bem viver,
Não basta somente ler,
É preciso ponderar,
Que a lição não faz saber,
Quem faz sábios é o pensar.

Neste tormentoso mar
De ondas de contradições,
Ninguém soletre feições
Que sempre se há de enganar,
De caras e corações
Há muitas léguas que andar.

Aplicai, ao conversar,
Todos os cinco sentidos,
Que as paredes têm ouvidos
E também podem falar;
Há bichinhos escondidos
Que só vivem de escutar.

Quem quer males evitar,
Evite-lhe a ocasião,
Que os males por si virão,
Sem ninguém os procurar:
Antes que ronque o trovão
Manda a prudência ferrar.

Não vos deixeis enganar
Por amigos, nem amigas,
Rapazes e raparigas
Não sabem mais que asnear;
As conversas e as intrigas
Servem de precipitar.

Sempre vos deveis guiar
Pelos antigos conselhos,
Que dizem que ratos velhos
Não há modos de os caçar;
Não batais ferros vermelhos,
Deixai um pouco esfriar.

Se é tempo de professar
De taful o quarto voto,
Procurai capote roto
Pé de banco de um brilhar,
Que seja sábio piloto
Nas regras de calcular.

Se vos mandarem chamar
Para ver uma função,
Respondei sempre que não,
Que tendes em que cuidar:
Assim se entende o rifão.
Quem está bem, deixa-se estar.

Devei-vos acautelar
Em jogos de paro e topo,
Prontos em passar o copo
Nas angolinas do azar:
Tais as fábulas de Esopo,
Que vós deveis estudar.

Quem fala, escreve no ar,
Sem pôr virgulas nem pontos,
E pode quem conta os contos,
Mil pontos acrescentar;
Fica um rebanho de tontos
Sem nenhum adivinhar.

Com Deus e o rei não brincar,
É servir e obedecer,
Amar por muito temer
Mas temer por muito amar,
Santo temor de ofender
A quem se deve adorar!

Até aqui pode bastar,
Mais havia que dizer;
Mas eu tenho que fazer,
Não me posso demorar,
E quem sabe discorrer
Pode o resto adivinhar.


Bárbara Heliodora
(1759-1819)


Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira


Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira nasceu em 1759, não se sabe exatamente o dia, em São João del-Rei, Minas Gerais, Brasil. Foi uma poetisa, mineradora e ativista política brasileira.

Foi esposa de Alvarenga Peixoto, advogado, poeta e inconfidente, com quem partilhou a vida e boa parte do destino. Inicialmente viveram juntos e só se casaram em 1781. Desta união nasceram quatro filhos.

Os historiadores da época contam que Bárbara Heliodora exercia grande influência sobre seu marido e participava ativamente das ideias e planos da Inconfidência Mineira. Faleceu em 24 de maio de 1819, em São Gonçalo do Sapucai, aos 60 anos.

Deixou publicado a obra Conselhos aos meus filhos (embora figure na obra de Alvarenga Peixoto, críticos literários como Alfredo Bosi, atribuem à Bárbara Heliodora).

À poetisa também é atribuída a escrita de um soneto oferecido à filha Maria Ifigênia que morrera em 1795, aos 15 anos de idade, num acidente a cavalo entre o arraial de São Gonçalo e a vila da Campanha da Princesa da Beira.


Retrato de Maria Ifigênia, em óleo sobre tela.
(Foi encontrado nos porões da antiga Fazenda Boa Vista
em São Gonçalo do Sapucaí.) 


Soneto
 
                                                              À filha Maria Ifigênia 

Amada filha, é já chegado o dia,
em que a luz da razão, qual tocha acesa,
vem conduzir a simples natureza:
- é hoje que o teu mundo principia.

A mão, que te gerou, teus passos guia;
despreza ofertas de uma vá beleza,
e sacrifica as honras e a riqueza
às santas leis do Filho de Maria.

Estampa na tua alma a Caridade,
que amar a Deus, amar aos semelhantes,
são eternos preceitos da Verdade.

Tudo o mais são ideias delirantes;
procura ser feliz na Eternidade,
que o mundo são brevíssimos instantes.


Bárbara Heliodora


Émile Friant (1863 - 1932), Les souvenirs, 1891


“Tem mais presença em mim o que me falta.”

(Manoel de Barros)


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