sábado, 18 de julho de 2020

"Elegia da Lembrança Impossível" - Poema de Jorge Luis Borges


 1838, óleo sobre tela, National Gallery, Londres.



Elegia da Lembrança Impossível


O que não daria eu pela memória
De uma rua de terra com baixos taipais
E de um alto ginete enchendo a alba
(Com o poncho grande e coçado)
Num dos dias da planície,
Num dia sem data.

O que não daria eu pela memória
Da minha mãe a olhar a manhã
Na fazenda de Santa Irene,
Sem saber que o seu nome ia ser Borges.

O que não daria eu pela memória
De ter lutado em Cepeda
E de ter visto Estanislao del Campo
Saudando a primeira bala
Com a alegria da coragem.

O que não daria eu pela memória
Dos barcos de Hengisto,
Zarpando do areal da Dinamarca
Para devastar uma ilha
Que ainda não era a Inglaterra.

O que não daria eu pela memória
(Tive-a e já a perdi)
De uma tela de ouro de Turner,
Tão vasta como a música.

O que não daria eu pela memória
De ter sido um ouvinte daquele Sócrates
Que, na tarde da cicuta,
Examinou serenamente o problema
Da imortalidade,
Alternando os mitos e as razões
Enquanto a morte azul ia subindo
Dos seus pés já tão frios.

O que não daria eu pela memória
De que tu me dissesses que me amavas
E de não ter dormido até à aurora,
Dissoluto e feliz.


Jorge Luis Borges, in "A Moeda de Ferro"
 

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