terça-feira, 15 de novembro de 2016

"Da Solidão" - Poema de Cecília Meireles


William Anderson Coffin (1855–1925), Central Park and the Plaza, c. 1917-1918, oil on canvas, 
Smithsonian American Art Museum
 


Da Solidão


Estarei só. Não por separada, não por evadida.
Pela natureza de ser só.

No entanto, a multidão tem sua música,
seu ritmo, seu calor,
e deve ser uma felicidade, às vezes,
ser na multidão o que o peixe é no oceano.
Ah! mas quem sabe das solidões que haverá nessas águas enormes!

Estarei só. Recordarei essas cidades, esses tempos.
Recordarei esses rostos. Pode ser que recorde
alguma palavra.
Nada perturbou o meu estar só. Por vezes, com o rosto nas mãos,
pode ser que sentisse como os desertos amontoavam suas areias
entre meu pensamento e o horizonte.
Mas o deserto tem sua música,
seu ritmo, seu calor.

Era uma solidão que outrora se levava nos dedos,
como a chave do silêncio. Uma solidão de infância
sobre a qual se podia brincar,
como sobre um tapete.
Uma solidão que se podia ouvir, como quem olha para as árvores,
onde há vento.
Uma solidão que se podia ver, provar, sentir,
pensar, sofrer, amar, 
uma solidão como um corpo, fechado sobre a noção que temos de nós:
como a noção que temos de nós.

E andava, e sorria, cumprimentava e fazia discursos,
dava autógrafos, abria a janela, conhecia gavetas,
chaves, endereços, comprava, lia,
recordava, sonhava,
às vezes pensava – Solidão – e logo seguia,
tinha até dinheiro comigo, tinha palavras, também,
que escolhia, dava, usava, recusava...

Solidão – dizia: fechava a tarde de mil portas,
andava por essas fortalezas da noite,
essas escadas, essas plataformas, essas pedras...
e deitava-me sobre o mar, sobre as florestas,
deitava-me assim – aldeias? cidades?
O sono é um límpido deserto – deitava-me nos ares,
onde quer que estivesse deitada.

Deitava-me nessas asas. Ia para outras solidões.

Se me chamares, responderei, mas serei solidão.
Serei solidão, se me esqueceres ou lembrares.
Qualquer coisa que sintas por mim, eu te retribuirei:
como o eco.
Mas és tu que vens e voltas:
a tua solidão e a minha solidão.


in Poesia Completa


Elvis Presley - Are You Lonesome Tonight


"O amor é um modo de viver e de sentir. É um ponto de vista um pouco mais elevado, um pouco mais largo; nele descobrimos o infinito e horizontes sem limites." 

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