quarta-feira, 17 de maio de 2017

"Na ampla praça há apenas plátanos" - Poema de Eduardo Guerra Carneiro


H. A. Brendekilde (Danish, 1857–1942), Fishing Boy, 1890



Na ampla praça há apenas plátanos


Na ampla praça há apenas plátanos. 
Nem crianças a correm de tão fria, 
nem estátuas a comovem bronzeadas. 
Das margens secas, com ilhas e outras casas, 
janelas, se as há, são quase setas. 
O frio perfurou tábuas e latas. 
Um vento seco corta junto aos olhos. 

O espaço é recomposto agora mesmo: na praça 
estou na sombra dos plátanos 
e tudo vejo com vontade e amor. 
Mas não chega a presença ou a vontade. 
Outros não chegam, ou aparecem apressados. 
Nomes se referem. Desenha-se um olhar. 
Apenas gesto, memória, sombra rara. 

Envolvo-me na praça. Os plátanos cobrem-me. 
Das margens sempre vem algum calor. 
Renascem os olhos. Os plátanos movem-se. 
As casas iluminam-se. Um grito 
cobre a sombra e assim anima 
a ampla solidão de todos nós. 


in 'Algumas Palavras'



Eduardo Guerra Carneiro


Jornalista e escritor português, Eduardo Guerra Carneiro nasceu em 1942, em Chaves (norte de Portugal). Frequentou a Faculdade de Letras do Porto e de Lisboa, sem embora terminar a licenciatura. 
Como jornalista, exerceu, desde o final dos anos 60, a sua profissão em vários órgãos de informação, como o Primeiro de Janeiro, Diário Popular, O Século, República e a revista TV Guia. Foi distinguido, duas vezes, com o prémio Júlio César Machado que prestigia os melhores textos sobre Lisboa, na imprensa diária. 
Enquanto escritor, Guerra Carneiro escreveu o seu primeiro livro de poesia em 1961, O Perfil da Estátua, seguindo-se muitos outros livros de poesia e de crónicas, tais como É assim que se Faz a História (1973), Damas de Copas (1981), Contra a Corrente (1988), Profissão de Fé (1990), Lixo (1993), Outras Fitas, (1999) e A Noiva das Astúrias (2001). A sua produção literária manifesta-se, inicialmente, no surrealismo e, mais tarde, num lirismo neorromântico. 
Guerra Carneiro morava sozinho, no Bairro Alto, no mesmo prédio onde também viveu o mestre Agostinho da Silva. A 3 de janeiro de 2004, Guerra Carneiro foi encontrado sem vida. (Daqui)


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