Na ampla praça há apenas plátanos
Na ampla praça há apenas plátanos.
Nem crianças a correm de tão fria,
nem estátuas a comovem bronzeadas.
Das margens secas, com ilhas e outras casas,
janelas, se as há, são quase setas.
O frio perfurou tábuas e latas.
Um vento seco corta junto aos olhos.
O espaço é recomposto agora mesmo: na praça
estou na sombra dos plátanos
e tudo vejo com vontade e amor.
Mas não chega a presença ou a vontade.
Outros não chegam, ou aparecem apressados.
Nomes se referem. Desenha-se um olhar.
Apenas gesto, memória, sombra rara.
Envolvo-me na praça. Os plátanos cobrem-me.
Das margens sempre vem algum calor.
Renascem os olhos. Os plátanos movem-se.
As casas iluminam-se. Um grito
cobre a sombra e assim anima
a ampla solidão de todos nós.
Jornalista e escritor português, Eduardo Guerra Carneiro nasceu em 1942, em Chaves (norte de Portugal). Frequentou a Faculdade de Letras do Porto e de Lisboa, sem embora terminar a licenciatura.
Como jornalista, exerceu, desde o final dos anos 60, a sua profissão em vários órgãos de informação, como o Primeiro de Janeiro, Diário Popular, O Século, República e a revista TV Guia. Foi distinguido, duas vezes, com o prémio Júlio César Machado que prestigia os melhores textos sobre Lisboa, na imprensa diária.
Enquanto escritor, Guerra Carneiro escreveu o seu primeiro livro de poesia em 1961, O Perfil da Estátua, seguindo-se muitos outros livros de poesia e de crónicas, tais como É assim que se Faz a História (1973), Damas de Copas (1981), Contra a Corrente (1988), Profissão de Fé (1990), Lixo (1993), Outras Fitas, (1999) e A Noiva das Astúrias (2001). A sua produção literária manifesta-se, inicialmente, no surrealismo e, mais tarde, num lirismo neorromântico.
Guerra Carneiro morava sozinho, no Bairro Alto, no mesmo prédio onde também viveu o mestre Agostinho da Silva. A 3 de janeiro de 2004, Guerra Carneiro foi encontrado sem vida. (Daqui)
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