A Minha Dor
Tua morte feriu-me no mais fundo,
Remoto da minh'alma que eu julgava
Já fora desta vida e deste mundo!
E vejo agora quanto me enganava,
Imaginando possuir em mim
Alma que fosse livre e não escrava!
Meu espirito é treva e dor sem fim.
Todo eu sou dor e morte. Sou franqueza.
Sou o enviado da Sombra. Ao mundo vim
Pregar a noite, a lágrima, a incerteza,
A luz que, para sempre, anoiteceu...
Esta envolvente, essencial tristeza,
Tristeza original donde nasceu
O sol caindo em lágrimas de luz,
Choro de oiro inundando terra e céu!
Sou o enviado da Sombra. Em negra cruz,
Meu ilusório ser crucificado
Lembra um morto fantasma de Jesus...
E aos pés da minha cruz, no chão magoado,
A tua Ausência é a Virgem Dolorosa,
Com tenebroso olhar no meu pregado.
Ah! quanto a minha vida religiosa,
Depois que te perdeste no sol-posto,
Se fez incerta, frágil e enganosa!
Em meu ser desenhou-se um novo rosto.
Sou outro agora; e vejo com pavor
Minha máscara interna de desgosto.
Vejo sombras à luz da minha dor...
Sombras talvez de eternas Criaturas
Que vivem na alegria do Senhor...
E quem sabe se os Mortos, nas Alturas,
Vivem na paz de Deus, em sítios ermos,
Entre flores, sorrisos e venturas?...
E quem sabe se as dores que sofremos
E nosso corpo e alma, não são mais
Que as suas vagas sombras irreais?...
Ah, nós somos ainda o que perdemos...
Teixeira de Pascoaes, in 'Elegias'
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