quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

"As aldeias" - Poema de Gomes Leal


Khariton Platonov (1842 – 1907, Russian) "Paisagem rural com a igreja", 1872,
 óleo sobre tela - coleção particular.


As aldeias 


Eu gosto das aldeias sossegadas,
com o seu aspeto calmo e pastoril,
erguidas nas colinas azuladas,
mais frescas que as manhãs finas de Abril.

Pelas tardes das eiras, como eu gosto
de sentir a sua vida ativa e sã!
Vê-las na luz dolente do sol posto,
e nas suaves tintas da manhã!...

As crianças do campo, ao amoroso
calor do dia, folgam seminuas,
e exala-se um sabor misterioso
de agreste solidão das suas ruas.

Alegram as paisagens as crianças
mais cheias de murmúrios do que um ninho:
e elevam-nos às coisas simples, mansas,
ao fundo, as brancas velas dum moinho.

Pelas noites de Estio, ouvem-se os ralos
zunirem nas suas notas sibilantes...
E mistura-se o uivar dos cães distantes
com o cântico metálico dos galos.


Claridades do Sul
 
 
Gomes Leal
 

António Duarte Gomes Leal (Lisboa, 6 de Junho de 1848 — 29 de Janeiro de 1921) foi autor de uma obra heteróclita que reflete as tendências dominantes da Geração de 70 e anuncia já o Simbolismo e o Decadentismo finisseculares, para o que contribuiu a diversidade das suas influências literárias, incluindo modelos portugueses do primeiro romantismo, como Garrett e Herculano, e modelos estrangeiros, como Vítor Hugo, Baudelaire, Nerval, Gautier e Heine.
 
Filho de um modesto funcionário da Alfândega, Gomes Leal começa por trabalhar como escrevente ao serviço de um notário lisboeta. Depois de uma breve passagem pelo Curso Superior de Letras, depressa se interessa pela boémia literária lisboeta e pelo jornalismo, publicando os primeiros poemas na Gazeta de Portugal (entre 1866 e 1867) e os primeiros folhetins na Revolução de setembro
 
Em 1869, o crítico Luciano Cordeiro inclui-o entre os "poetas novos", junto a Antero de Quental, Teófilo Braga, Guilherme Braga e Guerra Junqueiro, entre outros, o que contribui para o seu reconhecimento público. Depois de uma vasta colaboração jornalística dispersa por periódicos tão diversos como a República, o Diário de Notícias, A Alvorada, Ilustração de Portugal e Brasil, ou a revista feminina Boudoir, funda, em 1872, juntamente com Magalhães Lima, Silva Pinto, Luciano Cordeiro e Guilherme de Azevedo, o jornal satírico O Espetro de Juvenal
 
Em 1875, publica o seu primeiro volume de poesias, Claridades do Sul. Em 1881, funda, mais uma vez ao lado de Magalhães Lima, o jornal O Século, onde assegura a rubrica "Carteira de Mefistófeles", que publicará importantes artigos de teorização sobre a poesia moderna. É também nesse ano que publica o panfleto A Traição, dirigido contra o rei D. Luís e visando a sua passividade perante a possibilidade da venda de Lourenço Marques aos ingleses. Por causa desse texto, onde apelida o rei de "salafrário", "assassino e ladrão", é preso. 
 
Depois da morte da mãe, em 1910, converte-se ao catolicismo, mas cai na miséria e no alcoolismo, acabando a viver da caridade alheia e de uma pensão do Estado, reivindicada por um grupo de escritores, à frente dos quais estava Teixeira de Pascoaes
 
Apesar de Gomes Leal ter sido reconhecido em vida essencialmente como poeta social e satírico, a sua "arte compósita", assim lhe chamou Vitorino Nemésio, assinala uma renovação na expressão poética portuguesa, abrindo caminho à poesia moderna. 

Gomes Leal. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-02-15].
 

Khariton Platonov (1842 – 1907, Russian), Bagas para a venda, 1888
 

Sem comentários: