domingo, 5 de fevereiro de 2012

"O pastor amoroso perdeu o cajado" - Poema de Alberto Caeiro


William Holman Hunt, The Hireling Shepherd, 1851, City of Manchester Art Galleries, Manchester
 

O pastor amoroso perdeu o cajado


O pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E, de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu. Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.

Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo;
Os grandes vales cheios dos mesmos verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento,
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que existem, estão presentes.
(E de novo o ar, que lhe faltara tanto tempo, lhe entrou fresco nos pulmões)
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade no peito.
 
10-7-1930

Alberto Caeiro, in "O Pastor Amoroso"
(Heterónimo de Fernando Pessoa)

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