Retrato de Bocage gravado a buril e água-forte
por Joaquim Pedro de Sousa
por Joaquim Pedro de Sousa
Soneto ditado na agonia
Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.
Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa!... Tivera algum merecimento,
Se um raio da razão seguisse pura!
Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade
Que atrás do som fantástico corria:
-- «Outro Aretino fui... A santidade
Manchei!... Oh! se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!»
Manuel Maria du Bocage
Pintura do poeta Bocage no Palacete do Conde de Carcavelos,
Braga, Portugal.
Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage (Setúbal, 15 de Setembro de 1765 – Lisboa, 21 de Dezembro de 1805) foi um poeta português e, possivelmente, o maior representante do arcadismo
lusitano. Embora ícone deste movimento literário, é uma figura inserida
num período de transição do estilo clássico para o estilo romântico que
terá forte presença na literatura portuguesa do século XIX.
Era filho do bacharel José Luís Soares de Barbosa, juiz de fora, ouvidor, e depois advogado, e de D. Mariana Joaquina Xavier l'Hedois Lustoff du Bocage, cujo pai era francês.
Teve cinco irmãos. O pai do poeta, José Luís Soares de Barbosa, nasceu em Setúbal, em 1728. Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, foi juiz de fora em Castanheira e Povos, cargo que exercia durante o Sismo de Lisboa de 1755, que arrasou aquelas povoações.
Em 1765, foi nomeado ouvidor em Beja.
Acusado de ter desviado a décima enquanto ouvidor, possivelmente uma
armadilha para o prejudicar, visto ser próximo de pessoas que foram
vítimas de Pombal, o pai de Bocage foi preso para o Limoeiro em 1771, nunca chegando a fazer defesa das suas acusações. Com a morte do rei D. José I, em 1777, dá-se a "viradeira", que valeu a liberdade ao pai do poeta, que voltou para Setúbal, onde foi advogado.
A sua mãe era segunda sobrinha da célebre poetisa francesa, madame Anne-Marie Le Page du Bocage, tradutora do "Paraíso" de Milton, imitadora da "Morte de Abel", de Gessner, e autora da tragédia "As Amazonas" e do poema épico em dez cantos "A Columbiada", que lhe mereceu a coroa de louros de Voltaire e o primeiro prémio da academia de Rouen.
Apesar das numerosas biografias publicadas após a sua morte, boa parte da sua vida permanece um mistério. Não se sabe que estudos fez, embora se deduza da sua obra que estudou os clássicos e as mitologias grega e latina, que estudou francês e também latim. A identificação das mulheres que amou é duvidosa e discutível.
A sua infância foi infeliz. O pai foi preso , quando ele tinha
seis anos e permaneceu na cadeia seis anos. A sua mãe faleceu quando
tinha dez anos. Possivelmente ferido por um amor não correspondido, assentou praça como voluntário em 22 de Setembro de 1781 e permaneceu no Exército até 15 de Setembro de 1783.
Nessa data, foi admitido na Escola da Marinha Real, onde fez estudos
regulares para guarda-marinha. No final do curso desertou, mas, ainda
assim, surge nomeado guarda-marinha por D. Maria I.
Nessa altura, já a sua fama de poeta e versejador corria por Lisboa.
Em 14 de Abril de 1786, embarcou como oficial de marinha para a Índia, na nau “Nossa Senhora da Vida, Santo António e Madalena”, que chegou ao Rio de Janeiro em finais de Junho.
Na cidade, viveu na actual Rua Teófilo Otoni, e diz o "Dicionário de
Curiosidades do Rio de Janeiro" de A. Campos - Da Costa e Silva, pg 48,
que "gostou tanto da cidade que, pretendendo permanecer definitivamente,
dedicou ao vice-rei algumas poesias-canção cheias de bajulações,
visando atingir seus objectivos. Sendo porém o vice-rei avesso a
elogios, e admoestado com algumas rimas de baixo calão, que originaram a
famosa frase: "quem tem c... tem medo, e eu também posso errar", fê-lo
prosseguir viagem para as Índias". Fez escala na Ilha de Moçambique (início de Setembro) e chegou à Índia em 28 de Outubro de 1786. Em Pangim, frequentou de novo estudos regulares de oficial de marinha. Foi depois colocado em Damão, mas desertou em 1789, embarcando para Macau.
Foi preso pela inquisição, e na cadeia traduziu poetas franceses e latinos.
A década seguinte é a da sua maior produção literária e também o período de maior boémia e vida de aventuras.
Ainda em 1790 foi convidado e aderiu à Academia das Belas Letras ou Nova Arcádia, onde adoptou o pseudónimo Elmano Sadino. Mas passado pouco tempo escrevia já ferozes sátiras contra os confrades.
Em 1791, foi publicada a 1.ª edição das “Rimas”.
Dominava então Lisboa o Intendente da Polícia Pina Manique que decidiu pôr ordem na cidade, tendo em 7 de Agosto de 1797 dado ordem de prisão a Bocage por ser “desordenado nos costumes”. Ficou preso no Limoeiro até 14 de Novembro de 1797, tendo depois dado entrada no calabouço da Inquisição, no Rossio. Ficou até 17 de Fevereiro de 1798, tendo ido depois para o Real Hospício das Necessidades, dirigido pelos Padres Oratorianos de São Filipe Neri, depois de uma breve passagem pelo Convento dos Beneditinos. Durante este longo período de detenção, Bocage mudou o seu comportamento e começou a trabalhar seriamente como redator e tradutor. Só saiu em liberdade no último dia de 1798.
De 1799 a 1801
trabalhou sobretudo com Frei José Mariano da Conceição Veloso, um frade
brasileiro, politicamente bem situado e nas boas graças de Pina Manique, que lhe deu muitos trabalhos para traduzir.
A partir de 1801, até à morte por aneurisma, viveu em casa por ele arrendada no Bairro Alto, naquela que é hoje o n.º 25 da travessa André Valente.
Nota de 100 Escudos, 24/02/1981, com a imagem de Bocage
"Para se criar é preciso sofrer-se. Hoje e sempre só a dor é que deu vida às coisas inanimadas."
(Raul Brandão)
Raul Brandão
Raul Germano Brandão (Foz do Douro, Porto, 12 de Março de 1867 — Lisboa, 5 de Dezembro de 1930), militar, jornalista e escritor português, famoso pelo realismo das suas descrições e pelo liricismo da linguagem.
Obras: Impressões e Paisagens (1890), História de um Palhaço (1896), O Padre (1901), A Farsa (1903), Os Pobres (1906), El-Rei Junot (1912), A Conspiração de 1817 (1914), Húmus (1917), Memórias (vol. I, 1919), Teatro (1923), Os Pescadores (1923), Memórias (vol. II, 1925), As Ilhas Desconhecidas (1926), A Morte do Palhaço e o Mistério das Árvores (1926), Jesus Cristo em Lisboa ((em colaboração com Teixeira de Pascoaes, 1927), O Avejão (1929), Portugal Pequenino (em colaboração com Maria Angelina Brandão, 1930), O Pobre de Pedir (1931), Vale de Josafat (vol. III das Memórias, 1933).
Bocage - Óleo de Fernando dos Santos, 1935,
Lisboa, Café Nicola
Lisboa, Café Nicola
Fernando dos Santos (Setúbal, 14 de Julho de 1892 — Lisboa, 14 de Abril de 1965) foi um pintor e autor teatral português.
Detalhe do quadro "Bocage e as Ninfas na prisão",
de Fernando Santos, 1929
de Fernando Santos, 1929
"Bocage e as Ninfas", por Fernando Santos, 1929
"Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste...
Uma vila encardida - ruas desertas - pátios de lajes soerguidas pelo único esforço da erva - o castelo - restos intactos de muralha que não têm serventia. Uma escada encravada nos alvéolos das paredes não conduz a nenhures. Só uma figueira brava conseguiu meter-se nos interstícios das pedras e delas extrai suco e vida. (... ) Sobre isto um tom denegrido e uniforme: a humidade entranhou-se na pedra, o sol entranhou-se na humidade. (... )
Silêncio. (...) Ouço sempre o trabalho persistente do caruncho que rói há séculos na madeira e nas almas."
Raul Brandão, Húmus
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