sexta-feira, 21 de março de 2025

"Estou vivo e escrevo sol" - Poema de António Ramos Rosa


Real Bordalo (Artista plástico português, 1925 - 2017), "O eléctrico de Galamares", Sintra, 1997.
 (Elétricos de Sintra



Estou vivo e escrevo sol 

ao Ruy Belo

Escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol

Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no ato de escrever e sol

A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objetos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida

Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde


António Ramos Rosa
,
in "Estou Vivo e Escrevo Sol", 1966
 

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