sábado, 3 de dezembro de 2011

"Da mais alta janela da minha casa" - Poema de Alberto Caeiro


Da mais alta janela da minha casa


Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a humanidade. 

E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto. 

Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo. 

Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão? 

Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvores, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste. 

Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua. 

Passo e fico, como o Universo. 


Alberto Caeiro, in “O Guardador de Rebanhos”
Heterónimo de Fernando Pessoa 


Richard Clayderman - Autumn Leaves


"Não há diferenças fundamentais entre o homem e os animais nas suas faculdades mentais... os animais, como os homens, demonstram sentir prazer, dor, felicidade e sofrimento." 

(Charles Darwin)


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