sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

"Se um dia a juventude voltasse" - Poema de Al Berto


Albert Bierstadt (1830–1902), California Spring, 1875


Se um dia a juventude voltasse 


Se um dia a juventude voltasse
na pele das serpentes atravessaria toda a memória
com a língua em teus cabelos dormiria no sossego
da noite transformada em pássaro de lume cortante
como a navalha de vidro que nos sinaliza a vida

sulcaria com as unhas o medo de te perder... eu
veleiro sem madrugadas nem promessas nem riqueza
apenas um vazio sem dimensão nas algibeiras
porque só aquele que nada possui e tudo partilhou
pode devassar a noite doutros corpos inocentes
sem se ferir no esplendor breve do amor

depois... mudaria de nome de casa de cidade de rio
de noite visitaria amigos que pouco dormem e têm gatos
mas aconteça o que tem de acontecer
não estou triste não tenho projectos nem ambições
guardo a fera que segrega a insónia e solta os ventos
espalho a saliva das visões pela demorada noite
onde deambula a melancolia lunar do corpo

mas se a juventude viesse novamente do fundo de mim
com suas raízes de escamas em forma de coração
e me chegasse à boca a sombra do rosto esquecido
pegaria sem hesitações no leme do frágil barco... eu
humilde e cansado piloto
que só de te sonhar me morro de aflição.


Al Berto, “Rumor dos Fogos”
Assirio & Alvim, 1983



Albert Bierstadt, In the Foothills



Albert Bierstadt, On the Saco


"Não há nada que esteja menos sob o nosso domínio que o coração, e, longe de podermos comandá-lo, somos forçados a obedecer-lhe." 

(Jean Jacques Rousseau)


Nickelback - Photograph

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