quarta-feira, 19 de agosto de 2020

"Belo verso" - Poema de Irene Lisboa


Janos Laszlo Aldor (Hungria, 1895 - 1944), Cattle Grazing in a Spring Field

(Janos László Aldor nasceu em Nagyigmánd, na Hungria em 1895. Em 1919 concluiu o curso de arquitetura, mas como pintor foi autodidata. A partir de 1914 começou a expor seus quadros regularmente. Ficou conhecido pelos retratos de mulheres. Faleceu em 1944.)


Belo verso


Apetecia-me escrever um belo verso.
Sonoro, elegante, correto, de mármore!
Nele pôr o que outros me inspirassem.
O que ali aquele poeta estava cantando.
Ele o cantava e eu o repetia.
Acrescentava, desdobrava, acrescia da minha ansiedade.
Mas verso bem feito!
Cheio do que se sonha, não do que se sente.
Parece-me pobre o que sinto.
E vulgar.
Estes olhos que sem querer se envidraçam, fúteis,
sem recato, infantis, esta voz insegura, enfim,
 tudo isto…
Que figura iriam fazer dentro de um verso elegante, lapidar?
Belo verso trair-te-iam, roubar-te-iam toda a graça e até a ressonância, o êxtase
e aquela espécie de embalo que ao espírito sempre dás.
Mas sinceramente me apetecia escrever um verso de mármore belo!
Tudo, tudo por causa daquele poema…
Daquela exaltação do desejo, daquele arrebatamento lírico, infixo,
 daquela sensualidade espumosa...
Meu velhíssimo verso falhado, meu, não o dos outros...
Com que te haveria eu de ilustrar?
Com que te encher, meu divino, lúcilo, aéreo,
palavroso poema do nada?


Irene Lisboa,
  em Outono havias de vir latente e triste,
 com o pseudónimo de João Falco, Lisbos, 
Seara Nova, 1937



Janos Laszlo Aldor, Feeding Time, 1940


"Quando somos jovens, temos manhãs triunfantes."

(Victor Hugo)


Janos Laszlo Aldor, Young Wife, 1913


"A educação é uma descoberta progressiva da nossa própria ignorância."

Janos Laszlo Aldor, Young lady in local clothes, 1942


"Quando tiveres cumprido o teu dever, resta-te ainda outro: mostrares-te satisfeito."

(Johann Wolfgang von Goethe)


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