sexta-feira, 28 de agosto de 2020

"Se às vezes digo que as flores sorriem" - Poema de Alberto Caeiro


Adrienn Henczné Deák (Hungarian painter, 1890 -1956), Hungarian National Gallery



 Se às vezes digo que as flores sorriem

XXXI

Se às vezes digo que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam,
Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores
E cantos no correr dos rios...
É porque assim faço mais sentir aos homens falsos
A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.

Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes
À sua estupidez de sentidos...
Não concordo comigo mas absolvo-me,
Porque só sou essa coisa séria, um intérprete da Natureza,
Porque há homens que não percebem a sua linguagem,
Por ela não ser linguagem nenhuma. 

s.d.

Alberto Caeiro, in “O Guardador de Rebanhos”
Heterónimo de Fernando Pessoa


Adrienn Henczné Deák


Creio que irei morrer 


Creio que irei morrer.
Mas o sentido de morrer não me ocorre,
Lembro-me que morrer não deve ter sentido.
Isto de viver e morrer são classificações como as das plantas.
Que folhas ou que flores têm uma classificação?
Que vida tem a vida ou que morte a morte?
Tudo são termos onde se define.
 A única diferença é um contorno, uma paragem, 
uma cor que destinge (...)
...mas o Universo existe mesmo sem o Universo.
Esta verdade capital é falsa só quando é dita.

1-10-1917

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa


Adrienn Henczné Deák


Pobres das flores nos canteiros dos jardins regulares

XXXIII

Pobres das flores nos canteiros dos jardins regulares.
Parecem ter medo da polícia...
Mas tão boas que florescem do mesmo modo
E têm o mesmo sorriso antigo
Que tiveram para o primeiro olhar do primeiro homem
Que as viu aparecidas e lhes tocou levemente
 Para ver se elas falavam... 

s.d.

Alberto Caeiro, in “O Guardador de Rebanhos”
Heterónimo de Fernando Pessoa


Adrienn Henczné Deák 


"Como uma criança antes de a ensinarem a ser grande,
Fui verdadeiro e leal ao que vi e ouvi."

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