terça-feira, 4 de agosto de 2020

"Maternidade" - Poema de Glória de Sant'Anna


Pablo Picasso, Françoise, Claude e Paloma, 1951


Maternidade



Olho-te: és negra.
Olhas-me: sou branca.
Mas sorrimos as duas
na tarde que se adianta.

Tu sabes e eu sei:
o que ergue altivamente o meu vestido
e o que soergue a tua capulana,
é a mesma carga humana.

Quando soar a hora
determinada, crua, dolorosa
de conceder ao mundo o mistério da vida,

seremos tão iguais, tão verdadeiras,
tão míseras, tão fortes
E tão perto da morte...

que este sorriso de hoje,
na tarde que se esvai,
é o testemunho exato
do erro das fronteiras raciais.

Dos nossos ventres altos,
os filhos que brotarem
nos chamarão com a mesma palavra.

E ambas estamos certas
– tu, negra e eu, branca –
que é dentro dos nossos ventres
que germina a esperança.


Glória de Sant'Anna,
In Um Denso Azul Silêncio, 1965


Pablo Picasso, Paloma a l`orange, 1951


Prever o Futuro 

"Das coisas mais difíceis que há na vida é prever o futuro. Quando se tem quarenta anos, e já se pode olhar isto com certa perspetiva, é que se vê como se errou em todas as profecias. Conseguem-se vislumbrar, quando muito, as linhas gerais, os aspetos mais grosseiros das veredas do porvir. Isto, por exemplo: que a humanidade é móvel, oscilante, indo para o mau caminho quando vai no bom, e para o bom quando vai no mau."

Miguel Torga, in "Diário, 1948"

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