sexta-feira, 14 de agosto de 2020

"O Álbum" - Poema de Almeida Garrett


Sir John Lavery (Northern Irish painter, 1856–1941), The Green Sofa, 1903



O Álbum


Minha Júlia, um conselho de amigo;
Deixa em branco este livro gentil:
Uma só das memórias da vida
Vale a pena guardar, entre mil.

E essa n’alma em silêncio gravada
Pelas mãos do mistério há de ser;
Que não tem língua humana palavras,
Não tem letra que a possa escrever.

Por mais belo e variado que seja
De uma vida o tecido matiz,
Um só fio da tela bordada,
Um só fio há de ser o feliz.

Tudo o mais é ilusão, é mentira,
Brilho falso que um tempo seduz,
Que se apaga, que morre, que é nada
Quando o sol verdadeiro reluz.

De que serve guardar monumentos
Dos enganos que a esperança forjou?
Vãos reflexos de um sol que tardava
Ou vãs sombras de um sol que passou!

Crê-me, Júlia: mil vezes na vida
Eu com a minha ventura sonhei;
E uma só, dentre tantas, o juro,
Uma só com verdade a encontrei.

Essa entrou-me pela alma tão firme,
Tão segura por dentro a fechou,
Que o passado fugiu da memória,
Do porvir nem desejo ficou.

Toma pois, Júlia bela, o conselho:
Deixa em branco este livro gentil,
Que as memórias da vida são nada,
E uma só se conserva entre mil.


Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas'



Sir John Lavery, Alice, 1919 


Poema



Sigo as rotas
da poesia

com versos
teço a vassoura

de feiticeira arredia
a enredar-se nas rimas
e sonetos onde voa


Maria Teresa Horta


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